domingo, 26 de junho de 2011

O S.João da Minha Rua


A pequena praça está repleta de gente em festa. Bandeirinhas de várias cores e tamanhos enfeitam-na dando a ideia de ter um duplo tecto. A música faz-se ouvir, depois de notas soltas saírem atabalhoadamente de quatro majestosas colunas de som, amarelecidas e roucas, mas que conseguem a custo funcionar. As mesas colocadas em cima dos passeios que a rodeiam estava enfeitadas, com toalhas brancas, engomadas a preceito, outras de motivos populares e ainda outras lisas mas cheias de cor fazem dão a estas mesas um majestoso ambiente de cor e alegria. As crianças brincam felizes, correm por entre as mesas, gritam de satisfação e há risos muitos risos. Os homens participam pendurando por entre as bandeirinhas as luzes que há-de mais tarde dar luz à festa. A um canto prepara-se outra festa. Os pratos de barro vermelho empilhados de forma a estar seguros. Ao seu lado e bem alinhadas estão as tigelinhas para o caldo verde. As canecas umas em cima das outras mostram-se prontas aguardando a sua tarefa, a de, homenagear a colheita do ano passado, sorriem através dos seus dizeres e motivos florais. Anseiam servir a famosa ”pinga” que os mais velhos da Rua guardaram em segredo durante semanas. Os guardanapos também já ali estão pois têm também o seu papel importante. Os talheres, arrumados ao lado da louça prontos para ajudar todos os moradores e convidados a saborear o tradicional repasto. De uma janela de portadas abertas para o átrio da praça sai o odor dos doces cuja responsabilidade cabe anualmente às queridas habitantes da casa 10. São elas que se levantam bem cedo para terminar o que de véspera adiantaram e que mais tarde haverá de satisfazer quem os seus doces provar. Os fogareiros estavam também à muito, prontos para a assadura, quer das prateadas sardinhas, escolhidas uma a uma, na hora da sua compra, quer das fêveras dos coitados dos porcos mortos para a festa e ainda dos pimentos verdes e vermelhos, perfeitos tão lindos de perfeitos que faz pena assar. Noutra casa a juventude atropela-se atabalhoadamente na escolha da música que mais tarde animará a noite. E assim a festa se vai fazendo.
E Eu, o narrador desta animada festa popular, vestida de um ambiente bairrista e familiar observo segundo a segundo, minuto a minuto, com grande vaidade e satisfação porque mais um ano passou sem de mim se esquecerem. A minha anual homenagem que o povo do Porto não esquece vai contribuir para aumentar a devoção de uns e a alegria de outros. É nesta noite que todos se cruzam trocando sorrisos e palavras, se trocam beijos, abraços entre a juventude. Os telim-telim dos martelitos, o esfregar do alho-porro de nariz em nariz, o assistir ao fogo-de-artifício, o lançar com sucesso do frágil balão de papel faz desta noite uma noite de festa mágica. Paira no ar o cheiro do manjerico que este sim não costuma ter muito tempo de vida.
Estou a meditar a observar de pé, bem encastrado no nicho onde um dia me colocaram. Sou uma simples figura de barro, artesanalmente modelada com gosto e paixão do ofício. Pintaram-me os olhos, as vestes, os objectos que fizeram de mim quem agora sou. O S.João do Porto.
Estou confortavelmente pousado num nicho deste encantador bairro de onde observo todo este movimento. Não sei se foi por sorte minha ou se estrategicamente aqui fui colocado, pois deste meu lugar tudo posso ver e sentir. Nada nem nenhum pormenor me escapa.

domingo, 5 de junho de 2011

Acordar ao Domingo


Acabo de acordar. É um domingo de manhã. Lá fora a calma, o silêncio de uma cidade que dentro de minutos acorda. Os sons que me entram pela janela são neste momento o dos passarinhos que piando de alegria descem aos jardins, vazios dos rivais humanos, para recolher algum alimento, já que durante o resto do dia, não lhes é permitido recolher as migalhas, restos de arroz e de outras coisas que são sacudidas das toalhas pela janela fora, após um grandioso manjar aos olhos dessas pequenas criaturas. É tempo agora para elas, de recolher parte da sua sobrevivência. Por isso piam de alegria, satisfação e agradecimento.
Dentro de casa a família dorme e o silêncio deixa-me pegar nesta folha de papel brincando a este jogo de palavras. Não sei quantos milhares como eu podem desfrutar deste silêncio que me faz tão bem e que sofregamente aproveito. Não quero deixá-lo mas vou ter que o fazer. É preciso começar as tarefas normais de um dia em família. Por mim ficaria aqui o restante dia dando largas à imaginação do meu pensamento que me leva de volta a quem já perdi, que me deixa sonhar com quem quero encontrar um dia, que me faz viajar para perto e longe, lugares que quero um dia visitar, pensar em discursos que um dia quero fazer ouvir, encontros que me darão felicidade, enfim projectos que me darão um dia “vida” outra vez, diferente de todas as outras que já vivi.
(entenda-se por “vida” segundos desta vida que ainda terei com certeza pela frente)

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

PALAVRAS para quê?



Palavras, e mais palavras para quê? Perguntei a mim mesma? Não será o silêncio a melhor explicação para algumas palavras? Esse sim fica comigo. Esse explica o que é necessário explicar e que eu e só eu sei explicar. Tiraram-me todas as palavras. Foi um roubo. Não sei que dizer. Arrancaram-mas a ferros. Limparam-me a Almas das palavras mais nobres, mais doces, mais ricas…E lavaram-me ainda de palavras roucas, das palavras podres, sujas que por vezes não quero dizer. Só me resta escrever…

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Mas que flores eram estas!

O dia estava chuvoso. O vento assobiava. As nuvens carregadas de energia tornavam-se escuras contribuindo para o cinzento dia, em que este dia se tinha transformado. Caminhava em direcção a casa para junto de ti dar por terminado este dia. O trânsito estava caótico. Resolvi mudar de direcção. Virei à esquerda consciente que não sabia onde iria conduzir-me aquela estreita rua. O trânsito obrigava-me a conduzir cautelosamente e devagar. Ouvindo a música que o rádio me oferecia ia direccionando o meu olhar, ora para um, ora para o outro lado daquela rua que aproveitava para conhecer. Ladeada por dois largos passeios, onde se erguiam as casa ali moradoras, umas mais baixas que outras, entretinha-me tentando imaginar quem nelas morava e sentia já o aconchego do lar e do final de um dia tão frio. Carros geometricamente alinhados uns atrás dos outros compunham esta rua que mostrava ter vida, vida em movimento. De repente ouvi uma sirene e o trânsito parou. Obedeci. Ali fiquei parada o tempo necessário. Quando me era permitido, avançava, metro a metro. Entregue aos meus pensamentos, que nestas ocasiões, naturalmente se vão misturando uns nos outros, sem poder dar-lhes ordem para parar, fui avançando. Novamente parada e como forma de lhes fugir, olhei para a direita e fiquei encantada. Naquela pequenina loja as flores alinhadas em pequenos baldes esguios, ordenadas por cores, faziam daquele pequeno espaço um encantador cenário de alegria. Avistei um envergonhado lugar para estacionar e sem pensar parei. Sai do carro sem sentir cair em mim a forte tromba de água que caía na cidade. Entrei e a um canto estava sentada uma velhinha vestida de negro, enrolada em si própria. Pronunciei um Olá e recebi um doce olhar carregado de uma triste ternura. Pedi que me preparasse um ramo, muito grande cheio de cor, onde o verde símbolo de esperança não devia faltar, dizendo-lhe que também deveria ter pelo menos uma flor igual a todas aquelas que ali se encontravam. Fiquei encantada a vê-la fazê-lo. Não sei o tempo que demorou, mas a mim pareceu-me um segundo. Perguntei o preço, paguei, sem saber até hoje quanto custou e foi daquelas mãos experientes de uma longa e experiente vida que o recebi. Deu-me um abraço e eu num impulso entreguei-lhe o ramo dizendo-lhe: É para ti! Regressei a casa. Quis lá voltar no dia seguinte mas não sabia onde era, nem aquela rua, nem aquela loja de flores. Hoje ainda a procuro...

Uma Mesa e cinco cadeiras

Entrei.A sala praticamente vazia não tinha qualquer calor. Estava frio. Olhei para as poucas mesas que a ornamentavam. Escolhi uma, não ao acaso. Queria, ficar, na frente. Queria sentir tudo de perto. O que se previa começar dentro de alguns momentos prometia um Encontro. E ali fiquei sorrindo, porque faço sempre questão de sorrir mesmo que a minha alma chore sem que, quem quer que seja, o possa sentir. De repente os sons da música que se iria ouvir, timidamente, começaram a tomar forma. Na minha frente um copo com um liquido transparente, incolor, ali foi deixado, para me fazer companhia e apagar o fogo que a sede sentida há já muito me acompanha. As luzes foram-se apagando, uma a uma, rápidamente com a intenção de formar um aconchego a todos que entretanto foram aparecendo. O som de alguns passos fizeram-se ouvir. Continuei indiferente, apurei o meu sentido auditivo para prestar atenção ao que ali me levara. Num repente, surpreendentemente, e, sem contar, senti uma presença conhecida. Que me era comum desde há muitos anos. O calor da tua presença tinha chegado. Sem olhar para trás tive a certeza que ali estavas. E o Encontro realizou-se. Estive bem. Fez-me bem. Não esquecerei mais uma noite que acabou por engrandecer esta vida que não posso adivinhar quando terá afinal o seu fim.
Que este não seja o nosso último encontro, já que de facto também ele não é o primeiro. Até sempre...

Cartas de Amor

Naquele dia acordei com o amargo sabor da falta de amor.
Após a noite bem dormida sentia a ausência deste sentimento que outrora me trouxe o calor de o sentir. Num relâmpago de inconsciência quis sentir-te mas não era possível. Já cá não estavas. Agarrei-me à almofada, como se através deste impulso tu pudesses voltar. Mas que confusão esta a de não te sentir. Fechei os olhos na tentativa de tornar a adormecer e sentir a sensação tantas vezes sentida da tua protecção. Quis zangar-me sem saber com quem. E assim acordei para viver mais um dia carregado da tua ausência.
O dia chegou ao fim, voltei a pousar a cabeça na almofada, minha companheira de todos os dias com a esperança de adormecendo para mais uma simples noite de descanso sentir o teu amor.
Sim porque poucos conseguem afinal viver sem amor. E foi então que disse para mim própria: Mas afinal que é o amor? Será que um dia receberei de presente a oportunidade de sentir o que é o amor? …
(Autor desconhecido)

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Estou Aqui


Senti de repente aquela voz, doce e segura, que me falava sem Eu saber de onde vinha. Olhei para trás, para os lados e para a frente sem sequer me lembrar que também podia olhar para cima. E a voz insistia em chamar-me. Sabia o meu nome. Sabia quem Eu era. Falava comigo mostrando-me conhecer segredos que eu supunha só meus. Então senti uma luz, olhei para cima mas apenas pude ver uma nuvem naquela imensidão de céu que era agora azul. Azul celeste. A Cor que mais gosto - pensei. De imediato e sem pensar perguntei : Quem és? e a resposta não se fez esperar. Sou a Tua Alma. Fiquei onde estava. Parei de caminhar, parei de respirar e cheguei a temer que nem conseguia, sequer, ver. Abri os olhos o mais que pude até sentir dor. Mas que é isto afinal? Porque Eu apenas consigo ver uma nuvem! Interroguei-me novamente. E a voz tornou a falar: Estou, estive e estarei sempre contigo, por isso nunca te sintas só. E então pude sorrir... Afinal era verdade pois eu há muito desconfiava que Alguém me acompanhava, Só não sabia quem era!
Combinei novo encontro para amanhã à mesma hora. Fiquei feliz pois finalmente encontrei alguém que sabe quem sou realmente, o que sinto e o que quero.
(Esta história não é minha - foi-me contada pela minha Alma). Até já...